A Espera Infeliz


"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade

necessária

para aceitar as coisas que não podemos

modificar,

Coragem para modificar aquelas que
podemos,

e Sabedoria para distinguir umas das
outras"


Alegre, Castelo e Espera Feliz são municípios capixabas; minha espera sempre foi infeliz, será que se eu tivesse ido viver em Espera Feliz teria encontrado o gosto pela vida em cada instante de viver? Meu cabeção criativo e fantasioso fica imaginando o povo que vive lá, creio que numa felicidade perene circulando o tempo todo por aqueles verdejantes cafezais.

Lá estou eu esperando, esperando por um tapinha da parteira no bumbum a fim de que o ar chegue aos meus pulmões e eu possa dar o primeiro choro, sem o tapinha eu não choro, sem o tapinha eu não dou o ar da minha graça, será que eu chorei, ou já começou no meu primeiro instante de vida a minha crônica espera infeliz.

Esta minha espera infeliz vem de longe, muito longe, já nos tempos do grupo escolar ia para a escola e não via a hora de ir embora para casa, ficava ali torcendo para o fim da aula, aquela coisa mais chata, numa espera infeliz pelo toque do sino da liberdade tocada pela diretora do grupo, ah... que som maravilhoso aquele.

Lá estou eu esperando o retorno do meu pai; esperando o final do culto na igreja; preso nos horrorosos deveres de casa, esperando para ir para o campinho jogar futebol; esperando pela bicicleta no natal que nunca chegou; esperando o término do primeiro, segundo e terceiro grau; esperando pelo primeiro estágio, pelo primeiro emprego, pela primeira promoção; esperando pelo casamento com a mulher mais perfeita do universo; esperando sempre por um evento no futuro e no espaço que traga para mim um instante de paz, libertando-me desta espera infeliz.

Ah... Tantos e tantos anos depois, devo confessar que lá no fundo ainda estou esperando a próxima reunião de 12 Passos, aquela reunião que trará para mim numa bandeja de ouro o meu grande despertar espiritual, esperando pela alegria de ser e existir que vai invadir-me da cabeça aos pés, e enquanto isto não ocorre, cá estou eu na minha espera infeliz.

Se eu desistir de tudo e ficar simplesmente aguardando a morte chegar na frente das mídias do mundo, certamente já estarei morto em vida, pois a espera infeliz não passa da minha doentia morte em relação a realidade, com a obtusa ideia mental de ficar esperando pela recuperação, esperando por um milagre, esperando por um despertar espiritual triunfal, esperando por sonhos impossíveis e coisas inalcançáveis.

Quando eu era pequeno (e depois de grande também), ficava à vezes parado entre o nada e o lugar nenhum, simplesmente parado, absorto da realidade e pensando, pensando, pensando... Até que era despertado muitas vezes do meu torpor, ou do meu horror pela realidade, por uma voz grave e rude que gritava para mim "menino, pensando morreu um burro!"... Ah voz infeliz que atormentava mais ainda a minha espera infeliz.

Que espera infeliz é esta, que trem de sentimento é este que detido na estação me impede de avançar pelos trilhos da minha vida, ficando eu muitas vezes preso na plataforma do viver na doentia e infeliz espera?

Esta espera infeliz, onde os pensamentos invadem a minha mente feito marimbondos infernais, já me levou para o fundo do poço depressivo, por onde vivi por longo anos, sempre a espera, mas a espera de que ou de quem?

Se eu não realizo nada de objetivo e simplesmente espero, uma espera infeliz, então eu estou procrastinando, e a procrastinação é então mais uma destas minhas máscaras da doença mental e emocional, dentre tantas outras.

Mas por que eu procrastino mesmo sentindo em mim esta espera infeliz, porquê? Hum... O meu problema não está na procrastinação que me leva ao estado da espera infeliz, o meu problema, o meu grande problema está de fato é no meu profundo e enraizado sentimento de rejeição que articula constantemente milhões de artimanhas, a fim de que eu não entre jamais em contato com a realidade, e, sobretudo, comigo mesmo, num contínuo e complexo mecanismo de fuga articulado pela minha mente doentia a seu serviço.

A rejeição está aqui do meu lado neste momento; ela ri de mim impiedosamente, e friamente fala nos meus ouvidos: "Moço do cabeção pensante, você é meu escravo, eu controlo sua mente, controlo seus batimentos cardíacos, controlo sua pressão arterial, eu controlo toda a sua vida, e se você ficar aí me olhando com este olhar desafiador envio um pensamento mágico e maravilhoso que trará para você muitas venturas nos anos que virão", e enquanto ela vai assoprando isto nos meus ouvidos vou ficando cheio de raiva por tanta impotência com relação a ela, então eu digo, não em palavras, mas em pensamentos "sua ordinária", e ela, toda ressentida olha para mim e me diz, "agora você me paga" e, instantes depois estou novamente sob os seus domínios com um pensamento mágico e muito bonito no meu cabeção mental:

"Lá estou eu, finalmente, todo Alegre na Espera Feliz daquela linda moça loira da terra dos cafezais capixaba, aquela jovem maravilhosa que fará de mim o homem mais feliz do mundo no meu Castelo de ilusões mentais e emocionais."

Infeliz é a Espera mascarada na procrastinação e nascida na terrível submissão ao sentimento de rejeição.

Sexto Passo: Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.

Pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas. Caso tenha gostado da mensagem, sinta-se a vontade para compartilhar com os demais.

Clique em Quando Briguei com Deus para ler a crônica anterior, ou em A Varanda da Cela Mental para ler a crônica seguinte.

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