O Menino do Cabeção Pensante e o Trem da Central do Brasil

"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade

necessária

para aceitar as coisas que não podemos

modificar,

Coragem para modificar aquelas que
podemos,

e Sabedoria para distinguir umas das
outras"


Era uma vez um menino que morava em uma cidade muito grande; naquela grande cidade tudo era mesmo muito grande: Grandes avenidas; grandes distâncias; grandes praias; grandes viadutos; grandes multidões; grandes universidades; grandes problemas; grandes ondas de calor... O menino também tinha em sua mente de forma constante e compulsiva grandes pensamentos, para saber mais a respeito dele leia a crônica O Menino do Cabeção Pensante.

O Menino do Cabeção Pensante trabalhava a uma grande distância de sua casa, ia para o trabalho sempre de ônibus, enfrentando às vezes grandes engarrafamentos, grandes alagamentos em dias de tempestades, grandes tiroteios em algum ponto do trajeto, etc.

Num certo dia um colega de trabalho falou para o menino "está chovendo muito hoje, gastaremos um grande tempo para chegarmos ao centro da cidade, venha comigo, vamos pegar o trem suburbano".
Grandes eram os trens suburbanos daquela grande cidade, o Menino do Cabeção Pensante relutou um pouco, pensou um pouco e foi, descobrindo depois de muitos anos vividos na grande cidade que o grande trem urbano era um excelente meio de transporte, apesar do grande abandono das grandes autoridades da grande cidade com relação aos mesmos.

Grande foi o entusiasmo do Menino do Cabeção Pensante com relação ao trem; resolveu então que daquele dia em dia passaria a usar cotidianamente o grande trem para ir e voltar ao seu trabalho. Seu colega o avisou então "preste muita atenção quando pegar o trem para não errar o ramal, você deverá embarcar nos trens do ramal para Caxias, não embarque nos trens dos ramais para Deodoro e Japeri".

No dia seguinte, antes das sete e meia da manhã, lá estava o Menino do Cabeção Pensante na estação de São Cristóvão esperando ansiosamente pela chegada do grande trem, e enquanto o trem não chegava ele pensava, pensava, pensava... Quando a composição foi se aproximando da plataforma grande foi sua alegria, seus pensamentos entraram em processo de aceleração total, "vou pegar o trem, vou andar no trem, vou chegar mais cedo no trabalho indo de trem, que maravilha, viva os ingleses que criaram as estradas de ferro, viva o trem, vida longa ao trem", e neste agitadíssimo e alucinante processo mental ele simplesmente entrou naquele trem sem prestar a mínima atenção aos avisos escritos e sonoros sobre o ramal do mesmo — os pensadores compulsivos não vivem a realidade objetiva, mas tão somente a realidade imaginada e projetada ininterruptamente em suas telas mentais.

Demorou um certo tempo para o Menino do Cabeção Pensante começar a desconfiar que o trem estava indo para lugares estranhos — ganha um brinde quem adivinhou que ele estava pensando , passando por estações totalmente desconhecidas, mas ele ainda relutou mais um pouco, não desceu do trem, quem sabe haveria uma reviravolta qualquer e o trem, como num passe de mágica, acabaria chegando a estação de Caxias — os codependentes se apegam a pensamentos mágicos tal como os náufragos a uma boia de salvação.

Mas o trem não chegou a Caxias, e quando o Menino do Cabeção Pensante parou de pensar e acordou finalmente do seu devaneio e de sua negação mental já havia chegado na distante estação de Deodoro, e somente nesta hora ele tomou consciência do aviso do seu amigo no dia anterior: "Preste muita atenção quando pegar o trem para não errar o ramal, você deverá embarcar nos trens do ramal para Caxias, não embarque nos trens dos ramais para Deodoro e Japeri" — os codependentes adoram embarcar em pensamentos fantasiosos à procura de soluções mágicas para os seus problemas existenciais.

Não demorou muito, não demorou nada para o Menino do Cabeção Pensante perceber que uma coisa é embarcar num trem urbano carioca em direção ao subúrbio numa manhã de dia útil — trem vazio —, e outra coisa muito diferente é embarcar num trem suburbano carioca em direção ao centro da cidade nesta mesma manhã — trem superlotado. Naquele inesquecível regresso para o ramal correto depois de embarcar no trem errado, não havia nenhum pensamento na mente do Menino do Cabeção Pensante que pudesse livrá-lo daquela experiência de sentir-se como uma sardinha enlatada dentro de um dos vagões dos grandes trens da Central do Brasil — a realidade finalmente se impôs dando o ar de sua graça.

Ainda não acabou... O Menino do Cabeção Pensante chegou bastante atrasado no seu trabalho, e toda a empresa com suas duas centenas de funcionários ficaram sabendo do fato, e ao longo de todo aquele dia os seus colegas cariocas — vida longa, graça e beleza a esta gente meu Deus do Céu — com sua inconfundível irreverência, quando passavam pelo Menino do Cabeção Pensante que era pago pela empresa para pensar, riam e falavam para ele "mas Doutor Drauzo — assim era o carinhoso apelido do menino na empresa — como você conseguiu entrar no trem errado? O Menino do Cabeção Pensante simplesmente ria de volta, se ele contasse para os seus colegas que estava simplesmente pensando em milhões de coisas na hora do embarque, exceto no próprio trem, a ponto de nada ver e nada ouvir ninguém daria crédito a ele, você daria?

Meu nome é Anônimo, Anônimo em recuperação! Pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas. Caso tenha gostado da mensagem, sinta-se a vontade para compartilhar com os demais.

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