A Codependência Não é Brinquedo de Criança

"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade
necessária

para aceitar as coisas que não podemos

modificar,

Coragem para modificar aquelas que
podemos,

e Sabedoria para distinguir umas das
outras"




— Ajude-me, por favor, estou precisando muito de um abraço, Câmbio...

— De quem é esta voz que vem de dentro de mim? Câmbio... — perguntou o Viajante Emocional.

— Sou eu, sua Criança Interior; estou há décadas permanentemente inquieto, vazio e carente, desejando muito um abraço seu, um caloroso abraço bem apertado para encher minha alma de alegria... venha, venha abraçar-me, venha logo, Câmbio...

— Ah Criança Interior é você? Por que não falou logo? Estou indo, já estou a caminho, guie-me até você e não medirei nenhum esforço até finalmente encontrá-la, Câmbio...

— Viajante Emocional, venho tentando fazer contato com você muito antes do Pelé fazer o seu milésimo gol, e somente hoje você finalmente me ouviu... Vou guiá-lo até onde estou, comece a caminhar até encontrar um grande abismo à sua frente, Câmbio...

— Positivo e operante Criança Interior, lá está o grande abismo, mas sem problemas, vou construir uma ponte e passar por ele... Pronto, ponte construída e abismo atravessado, continuo seguindo em frente, Câmbio...

— Muito bom Viajante Emocional, você agora vai se deparar com um imenso oceano, Câmbio...

— Oceano? Hum... não é um simples oceano que vai deter-me. Posso atravessá-lo de barco, de jangada, de balsa, de barco a remo, de navio, a nado... Acabei de comprar uma passagem em um navio e já estou na travessia Criança Interior, não vejo a hora do encontro e do abraço... Atravessei o oceano e continuo a caminho criança do meu coração, Câmbio...

— Muito bom Viajante Emocional, já estamos na metade do caminho. Você precisará agora andar aproximadamente dois quilômetros na direção norte, para em seguida superar uma enorme cordilheira de montanhas, Câmbio...

— Vou caminhar montanha acima devagarinho Criança, e quando não for possível caminhar posso escalar, faço tudo por este abraço Criança Interior, faço tudo... Montanha vencida, continuo a caminho e creio que nada poderá deter-me agora, Câmbio...

— Você vai se deparar agora com um enorme e árido deserto, precisa atravessá-lo para encontrar-me, falta pouco, muito pouco para o nosso abraço Viajante Emocional, Câmbio...

— Um deserto? Fiz aqui alguns contatos com alguns beduínos — até a língua árabe eu estudei para chegar até a ti Criança —, atravessarei de camelo seguindo com eles na caravana.. deserto superado Criança Interior, continuo seguindo adiante, qual o próximo obstáculo agora? Câmbio...

— Você está quase lá Viajante Emocional, restam apenas mais dois obstáculos, o próximo é um grande e profundo pântano praticamente intransponível, que você encontrará seguindo na direção oeste, Câmbio...

— Um pântano praticamente intransponível? Ah Criança, não existe absolutamente nada no universo que me deterá, nem mesmo este profundo pântano... Tenho muito dinheiro no banco e vou mandar dragá-lo todo até a última gota de lodo, e então vou atravessá-lo e ir em sua direção... Pântano dragado e atravessado Criança querida, sinto que estou muito perto, já consigo quase percebê-la, o que devo fazer agora, qual é finalmente o último obstáculo que me afasta de ti? Câmbio...

A Criança Interior ficou exultante de tanta felicidade, ela também sentia que o Viajante Emocional estava finalmente aproximando-se depois de vencer aqueles enormes e variados obstáculos. O Viajante Emocional reunia todas as suas energias e esticava o passo, a ponto de quase galopar feito um cavalo livre nas pradarias, estava quase lá, já conseguia sentir antecipadamente a alegria daquele encontro e a maravilha daquele abraço, estava quase lá, quase lá... Qual é o último obstáculo que me afasta de ti Criança, diga-me, qual é o último obstáculo? Câmbio... — inquiriu o Viajante Emocional depois de atravessar todas as barreiras, com o coração disparado já avistando a Criança Interior ao longe.

— A única coisa agora que te afasta de mim é o fantasma insepulto do seu profundo sentimento de rejeição que está logo à sua frente, enfrente-o, passe por cima do seu insepulto cadáver, enterre-o de uma vez por todas e venha finalmente abraçar-me em seguida, Câmbio... — falou a Criança avistando ao longe a aproximação do Viajante Emocional.

Ao ouvir a palavra rejeição o Viajante Emocional parou bruscamente onde estava, como se descomunais forças invisíveis o atassem ao solo, como se tivesse mesmo sido atingido por um poderoso raio, não conseguindo dar mais um único passo adiante; para ele era profundamente fácil vencer todos os obstáculos que haviam ficado para trás, mas seu invisível, intangível, onipresente e até aquele momento perpétuo sentimento de rejeição era infinitamente mais poderoso do que tudo aquilo. Teria ele ouvido corretamente, ou havia algum problema de comunicação com sua Criança Interior na curva que levava à reta final, e a tão desejada bandeirada de chegada.

— Criança Interior, repita por favor, o aparelho de comunicação está com muitas interferências, repita o último obstáculo, por favor, Câmbio...

— Viajante Emocional, vou falar bem devagar a fim de que não haja nenhuma dúvida de sua parte: O fantasma insepulto do seu profundo sentimento de rejeição, Câmbio...

O Viajante ouviu de forma tão cristalina como da primeira vez, não havia mais nenhuma dúvida. Ficou então  observando ao longe sua Criança Interior chorando e ansiando desesperadamente pela sua presença e seu abraço, e ele, por sua vez, chorando também, simplesmente não conseguia sair do lugar, estava completamente paralisado pela sua rejeição,  e era de doer o coração observar a cena daqueles dois seres tão próximos, e ao mesmo tempo separados pela invisível e quase infinita  barreira da rejeição, a última barreira a ser superada, a última barreira que os separava. Sua pobre Criança interior continuava chorando e tentando fazer contato com ele...

— Viajante Emocional, você me escuta? Câmbio, Câmbio, Câmbio...

Devo comunicar que nenhuma resposta do Viajante Emocional chegou aos ouvidos de quem escreveu até o fechamento da redação — a codependência não é brinquedo de criança, Câmbio final.

Meu nome é Anônimo, Anônimo em recuperação! Pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas. Caso tenha gostado da mensagem, sinta-se a vontade para compartilhar com os demais.

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