O Feitiço do Cinema e o Ator Atormentado
Um certo menino amava ir ao cinema aos domingos; assistia aos filmes maravilhados, e no fim da sessão, tal como os demais presentes, saía em direção a realidade exterior. Mas acontecia algo muito estranho, uma vez fora da sala de projeção o menino sentia-se completamente deslocado da realidade, e o seu maior desejo era o de voltar o mais rapidamente possível para o interior do cinema, independentemente do filme que havia assistido.
Isto se repetiu por centenas de domingos ao longo de sua vida, findado o filme, sempre o desejo de permanecer para sempre dentro do cinema. Talvez o cinema de sua cidade estivesse enfeitiçado, pensou um dia o menino, mas depois de ter frequentado tantos outros cinemas em outras cidades o feitiço continuava, seriam enfeitiçados todos os cinemas do mundo? O que tanto prendia o menino ao cinema?
A resposta para o enigma dos cinemas enfeitiçados chegou mais de 50 anos depois, quando o menino já era um homem vivendo o outono de sua vida. Veio de forma muito natural e repentina, enquanto ele tomava o seu café da manhã e as cigarras alegremente cantavam no quintal juntamente com os pássaros; veio entre o infinitésimo espaço vazio que existe entre dois pensamentos...
"O menino entrou no cinema e viu um filme que nunca havia assistido até então, o filme de sua própria vida, e independentemente de sua vontade, percebeu que este filme era projetado ininterruptamente, por décadas a fio desde o seu nascimento em sua própria tela mental, obstruindo de forma devastadora a própria percepção da realidade objetiva. Grande foi a dor do menino ao sentir o profundo drama do único protagonista do filme — o próprio menino —, um atormentado e inconsciente ator aprisionado naquele filme, onde além de protagonizar o único papel, era ele também o diretor, o produtor e o roteirista, um ator absolutamente exausto e sem a menor esperança de abandonar o seu próprio drama, realizando o seu grande desejo, que era o de simplesmente sair do seu próprio filme mental e do cinema imaginário, a fim de simplesmente sentir a realidade sem falsas projeções além daquela eterna e escura sala de cinema.
Mas, findada cada sessão crescia no coração do ator o seu tormento, pois a única pessoa que poderia descobrir o seu drama e libertá-lo daquele feitiço, era aquele estranho menino completamente deslocado da realidade e constantemente presente ali na plateia, aquele menino cujo maior desejo era o de voltar o mais rapidamente possível para o interior do cinema findada a sessão, independentemente do filme que havia assistido, mas o menino não conseguia perceber o seu drama".
As cigarras e os pássaros ainda cantavam no quintal — cantariam por todo o dia, era primavera —, na xícara apenas uma minúscula gota de café; dos olhos do menino desciam grossas lágrimas, lágrimas de dor pelo ator preso na ilusão do filme paralelo a realidade, lágrimas de gratidão pela fantástica descoberta — um pequeno despertar espiritual. Estava finalmente chegando a hora de desligar o projetor e libertar o ator de sua prisão mental que o isolava da realidade — pobre atormentado.
Meu nome é Anônimo, Anônimo em recuperação! Pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas. Caso tenha gostado da mensagem, sinta-se a vontade para compartilhar com os demais.
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