O Trezoitão Emocional

"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade
necessária

para aceitar as coisas que não podemos

modificar,

Coragem para modificar aquelas que
podemos,

e Sabedoria para distinguir umas das
outras"



Quem foi sistematicamente ferido pelo trezoitão emocional tem o estranho e inconsciente hábito de ferir também, mesmo tendo jurado de pés juntos que jamais dispararia um trezoitão emocional em direção aos seus semelhantes. O trezoitão emocional fere tanto quanto o revólver calibre 38 convencional; quando caminho pela corda bamba de meus desequilíbrios emocionais — faço isto de forma inconsciente —, nada mais razoável do que colocar o meu trezoitão emocional no coldre e sair por aí mentalmente alerta para quaisquer situações que exijam de mim uma ação rápida e eficaz contra os inimigos de minha paz, ou melhor, contra os supostos e imaginários inimigos do meu belicoso ego — meu ego adora andar armado com o seu trezoitão emocional na cintura.

O estranho de tudo isto é que todas as vezes que eu disparo o trezoitão emocional em direção aos outros, no fundo quem sai realmente e unicamente ferido sou mesmo eu, pois em quase cem por cento dos disparos meus supostos inimigos mentais e emocionais nem mesmo sabem desta insana ação mental de minha parte.

Foto de minha mente em determinada hora do dia: Abro a geladeira e não encontro a manteiga, quem tirou a manteiga daqui, quem tirou? Instantes depois já estou disparando o trezoitão mental e emocional contra minha mulher, "foi ela, foi ela, foi ela quem tirou a manteiga do lugar", até constatar, segundos depois, que a manteiga estava posicionada na porta da geladeira, no mesmo local onde eu havia deixado no dia anterior — um pequeno instante de insanidade na imensidão da eternidade.

Uma foto de minha mente já um pouco amarelada pela ação do tempo: A solidão me corrói tal com um ácido, o mundo não olha para mim, o mundo não interage comigo, o mundo não gosta de mim, minha dor é grande, então saco o trezoitão do coldre e começo a disparar projéteis de ressentimentos e negatividades contra todo mundo, "vocês são distantes, vocês são superficiais, vocês são incapazes de amor e acolhimento, vocês são mais frios do que o gelo do Ártico...", até que muitas 24 horas depois constato a inocência de toda a humanidade, descobrindo finalmente que minha solidão é a minha singular dificuldade de entrar em contato com a realidade, bem como com todos os seres animados e inanimados que habitam no mundo — um pouco mais de insanidade, pareço agora aquele famoso ébrio do livro de Bill W. tentando ensinar os sóbrios a pararem de beber.

Uma sequência de fotos ao longo de um período de minha vida, um pequeno filme: O mundo todo, todo mundo aponta o trezoitão em minha direção — estaria o mundo em guerra comigo ou estou sendo iludido por mais uma falácia do meu velho ego? —, lá vem os projéteis, "dedos que apontam, bocas que gritam, duros olhares, limitantes crenças proferidas por doentias vozes, discursos bonitos e cheios de vida por fora, porém, totalmente vazios por dentro, semblantes carregados, silêncio opressores, segredos familiares guardados a sete chaves, o perpétuo e necessário sofrimento no aquém, a alegria eterna no além..." São tantos e intermináveis os disparos que vou recuando, recuando, recuando até esconder-me na minha segura caverna fortificada e escura, dentro de um fundo e escuro poço onde ninguém consegue mais alvejar-me com seus mortíferos projéteis emocionais, agora finalmente estou protegido da insana guerra dentro de minha depressiva casamata emocional poderosamente armada de norte a sul com meus próprios defensivos e ofensivos trezoitões emocionais — sou agora tão insano quanto o galo Chantecler da fábula de Edmond Rostand, cujo canto matinal, segundo sua própria visão do mundo, fazia o sol nascer.

Ah meu Senhor e meu Deus, quantos anos preso em minha fortaleza emocional, defendendo-me insanamente da guerra exterior do mundo, fugindo desesperadamente dos disparos dos trezoitões alheios, até finalmente descobrir que a paz que eu nunca encontrei exteriormente, que a paz que eu nunca encontrei em lugar nenhum habita dentro de mim e pode ser encontrada, desde que eu largue definitivamente meu próprio trezoitão emocional, desde que eu me renda, me solte e me entregue a Ti, meu Senhor e meu Deus — Terceiro Passo , conforme O concebo. 

Meu velho ego, meu Senhor e meu Deus, meu velho ego não passa de uma criança encolhidinha e amedrontada dentro da casinha de seu cachorro de estimação, profundamente emaranhada dentro de um rolo de humanos arames farpados, sem saber quais são suas próprias farpas, sem saber quais são as farpas dos demais.

Meu nome é Anônimo, Anônimo em recuperação! Pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas. Caso tenha gostado da mensagem, sinta-se a vontade para compartilhar com os demais.

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