O Camundongo Dongo e a Viagem à Lua

"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade
necessária

para aceitar as coisas que não podemos
modificar,
Coragem para modificar aquelas que
podemos,
e Sabedoria para distinguir umas das
outras"

Seja muito bem-vindo ao blog; Benvindo é meu sobrenome, Anônimo é o meu nome e pública é a minha codependência e gratidão.


"Quando o americano fabricar uma banana como esta que estou comendo agora Dongo, neste dia acreditarei que ele foi à lua", falava o Grande Gato Almirante para o camundongo Dongo, ali ao seu lado. Dongo, silenciosamente discordava, mas não tinha a coragem de admitir  o Grande Gato Almirante não gostava nem um pouquinho de ser contrariado. "Isso mesmo Grande Gato Almirante", respondia Dongo com o coração em disparada, "ninguém nunca pisou na lua." O padrão da concordância incondicional era uma das maneiras que Dongo encontrava para não despertar a ira do Grande Gato Almirante, bem como de muitos outros gatos com idêntico padrão comportamental.

Naquele domingo de verão pela manhã, Dongo precisou, como de costume, ir à igreja para rezar; ele não gostava daquilo, achava mil vezes melhor ir para o campinho de terra jogar futebol com os seus amigos, mas ele não tinha escolha. Dongo entrou na igreja e por lá ficou por uma hora inteira  quase uma eternidade  até o solene momento em que ele, bem como todos os demais foram liberados  o trecho do culto que Dongo mais amava era aquele em que o diretor espiritual dizia "vão em paz e que Deus os acompanhe."

No caminho de volta para a sua casa, Dongo teve uma brilhante ideia. Seria simples colocá-la em execução, e isto iria agradar muito ao Grande Gato Almirante, que certamente o recompensaria de alguma forma — um largo sorriso, um tapinha nas costas, algumas palavras de aprovação, e isto, de certa forma, ajudaria um pouco a preencher o grande vazio que Dongo sentia que existia dentro dele.

"Grande Gato Almirante", falou quase solenemente Dongo durante o almoço, com todos sentados em volta da mesa, "o diretor espiritual falou para todos hoje, que os americanos jamais pisaram, e que jamais pisarão na lua criada por Deus". Grande foi a alegria do Grande Gato Almirante, que abriu um sorriso largo ali na cabeceira da mesa com toalha quadriculada em azul e branco, falando solenemente "eu sempre soube meu querido e inteligente Dongo, e fico muito contente de ouvir isto, o que prova que estou correto. Amanhã farei uma viagem curta, e como presente pela sua brilhante observação no dia de hoje, vou levá-lo comigo para dar um passeio."

No dia seguinte, como prometido, Dongo fez a viagem com o Grande Gato Almirante; naquele dia Dongo viu rios, pontes, verdejantes paisagens, planícies e serras; naquele dia Dongo viu o majestoso oceano e muitas belezas mais. No retorno, no finalzinho da tarde, Dongo também avistou, lá no céu distante, os primeiros sinais da lua crescente, mas crescente não era somente a lua naquele momento, crescente era também uma certa dor que vinha de sua consciência, dizendo para ele de forma contundente "você mentiu camundongo Dongo, e o seu passeio é o fruto de um embuste."

Ao longo dos anos vindouros, Dongo ainda continuou a fazer da mentira uma arma para tentar agradar ao Grande Gato Almirante e outros gatos mais, até um dia finalmente descobrir, que de fato ele mentia para si mesmo e, que talvez a grande verdade de sua vida era que ele, efetivamente, já estava vivendo mesmo no mundo da lua, omitindo-se completamente da vida aqui na terra, tal era o seu estado de alienação e negação de sua própria natureza interior.

Dongo sabia que desde 20 de julho de 1969, os astronautas americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin deixaram as marcas de suas pisadas na lua, mas o que nenhum livro de história jamais registrou, e o Grande Gato Almirante jamais soube, era que as suas falsas pisadas, ou quem sabe, agradáveis mentiras, também estavam lá.

Dongo viria a descobrir muitos anos depois, que sofria de uma doença chamada codependência, uma doença de gente e não de camundongo, onde padrões comportamentais distorcidos eram muito comuns. No estranho olhar de Dongo para o mundo exterior, existiam somente gatos —  todos eram gatos —  e ele, olhando para si mesmo, observava tão somente um sofrido e medroso camundongo, o mais incomum dos camundongos, o camundongo Dongo.

Anônimo é o meu nome e pública é a minha codependência; eu sou maior que todas as minhas ilusões. Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas.

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