Desligamento Emocional

"Concedei-nos, Senhor, a Serenidade
necessária
para aceitar as coisas que não podemos
modificar,
Coragem para modificar aquelas que
podemos,
e Sabedoria para distinguir umas das
outras"

Seja muito bem-vindo ao blog; Benvindo é meu sobrenome, Anônimo é o meu nome e pública é a minha codependencia e a minha gratidão.

"Desligamento não significa desligar-nos da pessoa que amamos, com quem nos preocupamos, mas da agonia do envolvimento  membro de Al-Anon". 

Da agonia do envolvimento eu entendo; da confusão de não saber onde principio eu, onde termina o outro, eu entendo; da dor enorme,  muda, controlada, mascarada, dor raivosa do meu embaralhamento com o meu pai  — até parece briga de cachorro com gato, briga mental —, eu também entendo. 

Codependência para mim é sinônimo da ligação doentia com o meu pai; codependência para mim é este ligamento nocivo e perpétuo, perpétuo até que acabe, este ligamento que mais se parece com uma assombração que, desde menino, visita-me todos os dias, todos os dias — os fantasmas não dormem

Meu cordão umbilical com a minha mãe foi cortado — acreditem se quiserem —, com mais de 35 anos de idade; eu era muito ligado a ela de uma forma também disfuncional, uma forma doente e carente   mamãe, mamãe, eu quero o meu leite; mamãe, mamãe, eu quero a minha chupeta; gritava eu com 6 anos de idade lá da minha cama

Com relação a ela, na época em que fiz terapia, quase a matei de saudades, pois, sabendo que precisava desligar-me, fiquei simplesmente quatro meses sem visitá-la, raiado de dor e saudade, mas achando que estava  fazendo a coisa certa  isto foi antes dos 12 Passos, quando minhas neuroses estavam todas ainda à flor da pele, e eu não sabia a diferença entre separação emocional e física. 

Voltando à figura do meu pai, os tempos da infância ficaram para trás, mas não consigo deixar  de sentir até os dias de hoje as marcas daquela época   as cicatrizes nas minhas emoções ainda estão vivas, e teimam em voltar: Medo da figura autoritária, dor da ausência, insegurança na presença, duros olhares, silêncio amedrontador, distanciamento emocional, semblante fechado, duras palavras: "Você é uma besta quadrada, pensando morreu um burro, o amor é igual a flor roxa, somente nasce no coração de trouxa, quem estuda muito vira burro..." — tudo isto foi muito doloroso para a criança que eu fui — creio que nunca deixarei de ser.

Portanto, décadas depois, o meu cordão umbilical com o meu pai ainda não foi cortado, estou emocionalmente ainda ligado a ele —codependência , com nossas fronteiras ainda indefinidas — não sei onde começa o filho, não sei onde termina o pai, algo assim como Índia e Paquistão lá na Caxemira.

O processo que venho realizando nas salas de 12 Passos leva-me diretamente a este ponto — o ponto do desligamento emocional , onde as fronteiras ficam bem divididas, onde eu me afasto amorosamente da figura passada do meu pai, a doentia figura, trazendo de volta para dentro de mim sua presença saudável e salutar, trazendo para dentro de mim sua força masculina, aceitando plenamente sua condição humana — a energia feminina de minha mãe já está presente em mim.

Acredito que, quando finalmente eu conseguir realizar isso, através da busca e da entrega ao meu Poder Superior — conforme eu O concebo , a quase totalidade de meus problemas de codependência rolarão como uma pedra montanha abaixo — que coisa linda —, e então eu finalmente estarei centrado no meu humano equilíbrio.

Tudo o que foi narrado é minha visão unilateral da relação com o meu pai; na verdade, nunca consegui sentar-me com ele, olho no olho, e conversar a respeito de tudo isso. Eu desconheço muito de meu próprio pai, mas sei agora — depois de muitas 24 horas nas salas — que muitas das dificuldades que habitam em mim, também habitam nele, e que a vida me deu o privilégio e a responsabilidade de encontrar as irmandades, e isto não é pouco.

No fundo, o desligamento que eu busco, não é o desligamento do meu pai, não, não é. Busco o profundo desligamento do codependente que vive em mim; o desligamento do meu ego controlador e indomável; o desligamento do meu imenso orgulho — o grande advogado de defesa do meu egoísmo. Não vou negar: Eu tenho uma imensa carga de responsabilidade sobre a minha condição codependente, eu não sou uma simples vítima.

Ao mesmo tempo em que tento desligar-me de tudo isso, vou também fazendo o trabalho inverso, o trabalho de ligação com a minha beleza, com a minha leveza, com a minha individualidade; o maravilhoso trabalho de busca da criança interior, uma linda e radiosa criança que habita dentro de mim, e que jamais me abandonou ao longo de décadas — o abandono foi unilateral.

Concluo dizendo que quanto mais eu viajo para dentro, aproximando-me desta criança, mais e mais eu aproximo-me do meu pai, ou quem sabe, da maravilhosa criança interior que também habita dentro dele — está chegando o tempo das crianças se encontrarem para brincar, então, que eu transforme a minha codependência em uma gangorra para dois, ou melhor, muito melhor, uma gangorra para várias crianças, uma gangorra sob a sombra de uma frondosa árvore numa tarde de verão, a árvore da vida. Está finalmente chegando o tempo do amor.

Só por hoje serei feliz; só por hoje eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Paz, serenidade e muitas 24 horas.



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